quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Expedição Remota II

Em Vladvostok o clima era de comemoração, os DXers ali reunidos, mal podiam se conter de bêbados que estavam de tanto comemorar. O que mais se via eram garrafas de Wodka trazidas pelos finlandeses, uma garrafa de whisky pela metade trazida por um escocês e muita cerveja aguada, presente da delegação americana. Dois DXers da velha guarda permaneciam sóbrios por determinação médica e prontos para dar início à dx-pedition. Caberia ao mais velho as honras da casa e chamar CQ.
O pessoal das mesas de controle estava com os olhos grudados nos monitores que indicavam temperaturas interna e externa, umidade interna do ar, funcionamento dos servo-controladores e o principal: as câmaras de vídeo dotadas de sensores infravermelhos para detecção de intrusos num raio de meia milha. No alto do mastro da antena havia uma câmara que podia enxergar ainda mais longe, cerca de 3 milhas sob nevoeiro médio e uma milha sob nevoeiro intenso. Três grandes relógios com um pé de diâmetro mostravam os horários: o central marcava a hora do local de operação, o da esquerda a hora local do centro de operações e controle e o da direita hora universal. Eram precisamente 05:30 em Hanyopyong quando o russo, líder do centro de operações, deu ordem aos veteranos DXers que iniciassem a operação.
A comunidade dxzista ao redor do mundo estava com a recepção de seus rádios ajustadas em 14.025 que era de longe a frequência de maior aposta para início das operações. O indicativo mantido em absoluto segredo finalmente seria usado para o primeiro CQ e fora motivo de infindáveis discussões, P5RS remetia à operação do infausto Romeo Stepanenko quando da expedição P5RS7 que segundo foi apurado operou da Rússia Oriental, ali mesmo, perto de Vladvostok, ao demais, RS remetia igualmente às suas iniciais. Por outro lado, argumentavam os defensores, RS era uma homenagem à primeira remote station expedition. Optou-se finalmente após imensas discussões por P5RS. Os egressos não entendiam o motivo de tanta exultação mas comentavam entre eles usando o dialeto próprio das suas origens: “vou fechar um QSO com essa ativação”. Os ascendentes estavam excitadíssimos com a possibilidade de trabalharem um ATNO. Haviam descoberto há pouco o significado de all time new one e usavam a expressão na forma de abreviatura exibindo grande sabença e intimidade com os infindáveis mistérios. Ao demais, para os ascendentes, ATNO é o que não falta, há muito por fazer ainda.
Igualmente, discutiu-se muito qual a banda e modalidade para início. Da forma como a estação foi concebida só haveria uma estação no ar operando uma única banda e uma só modalidade por vez. Como então distribuir o plano de bandas e modos? Para os egressos 20 metros era a consecução de seus sonhos, trabalhar um país do calibre de P5 era a glória dos egressos. Para os ascendentes, a modalidade de início tanto fazia, já operavam CW, já haviam se distanciado dos egressos e tentavam emparelhar-se com os OT, assim, o que valia mesmo era P5 no log e poder sonhar com o top, sonho e tortura dos ascendentes. A modalidade de início também fora motivo de muita discussão, alguns dos patrocinadores exigiam que o início e a maior parte da operação se desse em fonia. Falar todo mundo fala, argumentavam. Por outro lado, os veteranos retorquiam: hoje em dia qualquer pândego chega ao honor roll em telegrafia com ajuda de decodificadores ou mesmo com uma telegrafia básica, só precisam identificar seus indicativos o que pode ser conseguido pelo método pavloviano. Até mesmo cérebros obtusos conseguem decodificar seus próprios indicativos, escarneciam.
Outra discussão sangrenta onde alguns puristas quase saíram no tapa com os modernistas foi a decisão da modalidade digital. Estes últimos argumentavam que poderiam automatizar todo o processo utilizando a modalidade da moda: FT8. O software coloca o transmissor no ar e emite 5 sinais simultâneos em modo pentaplex, estes 5 sinais são conhecidos como foxes; ao passar para recepção, varre o espectro decodificando até 50 sinais simultaneamente; um algoritmo decide para qual indicativo voltar bloqueando sinais acima de 13 dB para não estimular o uso de potência nas pontas do pile-up, as estações desta ponta são denominadas hounds. O processo estabelece peso para os indicativos, baseado no sistema de cotas: os mais velhos terão peso maior, os países com menos densidade demográfica terão, igualmente, tratamento preferencial; os países mais pobres, terão pesos ainda maiores porque seus habitantes não podem arcar com os custos exorbitantes de monobandas ou de antenas dinâmicas. O processo pode ser automatizado a tal ponto que os operadores do centro operacional poderão descansar enquanto a estação remota cuida de tudo trabalhando 5 estações por vez. Na ponta do pile-up, argumentavam os modernistas, os operadores também não precisarão intervir para ter P5 no log, basta deixar que o software cuide de tudo. É o final dos tempos destemperavam os mais velhos repetindo a mesma frase utilizada no final da década de 1950 quando surgiram os transceptores que usavam o moderníssimo SSB. Fora do CW não há rádio, lamentavam.
continua...
73 DX de PY2YP - Cesar