terça-feira, 8 de maio de 2018

Jus esperneandi

O império romano deixou inúmeros legados às civilizações que o seguiram, sem a menor de todas as dúvidas o direito romano, adotado por grande parte dos países ocidentais, foi um dos maiores senão o maior de todos os seus legados.
Na Roma antiga quando os delinquentes eram julgados eram alocadas pessoas para ad, em lugar de; vocare, falar; esses faladores por procuração, virou profissão, passaram a viver disso, e ficaram conhecidos pela justaposição dos vocábulos: ad-vocare, tornaram-se advogados. Este o lado perverso do legado. Mas, voltando aos tempos idos, o delinquente, com todo o amplo direito de defesa, amparado por ad-vocare, era submetido ao mais severo dos tribunais da história. As leis eram estabelecidas por tribunos de grosso calibre, gente como Patérculo, Cícero, os irmãos Tibério e Caio Graco e outros. Os criminosos eram lançados aos leões, para gáudio da plebe, os crimes menores eram punidos com trabalho escravo ao passo que os delitos mais leves eram apenados com alguns anos na prisão. Impune o malfeitor não ficava, isso era certo.
Ao sair do julgamento e antes de ser levado ao cumprimento da pena, era dado ao condenado a oportunidade de que este pudesse bradar aos céus ou a quem tivesse paciência de ouvir, seus mais profundos impropérios contra seus julgadores. O apenado podia ainda escolher: ou os impropérios ou espojar-se numa grande caixa de areia onde ele podia espernear à vista de todos durante uma hora, bem medida numa grande ampulheta. Este último procedimento ficou conhecido como jus esperneandi e perdura até nossos dias. Os condenados, os apenados, os detratados quando não se conformam com o justo julgamento dos tribunais, ou da história, sempre esperneiam a mais não poder, até hoje.
A história é ainda mais severa do que os tribunais romanos, mais implacável. Não há advogado que consiga mudar nem seu rumo, nem os fatos e muito menos seu julgamento. É inexorável.
Um conhecido zumbi, um insepulto ascendente, meteu-se a DXer na banda dos cavalheiros, dos senhores dos ares. Incompetente e inculto, não teve estofo nem sabença para ali meter-se. Forjou QSOs, forjou confirmações, fez todos os tipos de mal fazimentos que se pode conceber. Descoberto, foi punido pelos fatos, pelos seus outrora pares e pela história. Não se conformou. E, inconformado, optou por ambas ações: bradou aos céus e aos léus; espojou-se na sua própria lama, na sua própria história e na honra que nunca teve. Histriônico, vomitou sua bílis peçonhenta contra a honra de pessoas ilibadas, íntegras e com história. Assacou contra expedições e operações. Não conseguia ver seus desafetos conseguirem QSOs legítimos. Ao sabe-los o insepulto tratava de desqualificar os feitos tentando torna-los ilegítimos, como os seus. Ao detratar apenas retratava sua própria cara feia. O insepulto atesta, em cada ato, a sua incapacidade, sua minudência explícita e inoportuna. Deveria ter dignidade e voltar para sua própria escuridão, mas não, insiste em subterfugir, tergiversar, desvia, esguelha, contorna e depois agride. Aos poucos os atacados começaram a perder suas paciências e passaram a invocar Cícero: Qvosque tandem abvtere, Insepultus, patientia nostra?
73 DX de PY2YP - Cesar

domingo, 29 de abril de 2018

Operação Remota III

Serenadas as excitações finalmente o grande momento havia chegado. O operador massageou os pulsos, respirou fundo e mandou o primeiro CQ em 10.105: CQ DE P5RS CQ P5RS CQ DE P5RS 5UP. Nada, nem um pio, nem uma alma penada corujando 30 metros. A aposta era mesmo em 20 metros. O operador havia se decidido por 30 metros para enfrentar um pile-up inicial menor. Os egressos não sabem telegrafia o suficiente para frequentarem uma banda onde as operações são predominantes em telegrafia. Antes da praga FT8 se espalhar a banda era quase exclusiva de CW, uma operação em RTTY que aparecia vez por outra mas era só. O operador tomou novo fôlego e chamou geral uma vez mais. Nada. Zero. Será que desligaram a banda? Deu uma rápida olhada em 10.136 e a turba de egressos e ascendentes estava lá produzindo aquele hediondo e detestável ruído dos incultos. Voltou para 10.105 e mandou novamente CQ DE P5RS 5UP, girou o dial de recepção um pouco para cima, um pouco para baixo e escutou um UA9, voltou para ele e ouviu: P5RS DE UA9ZHS 5NN PSE CFM CALL. IS IT REAL? O operador respondeu: TNX FIRST QSO FRM REMOTE STATION PSE SPRED OUT THIS CALL. O russo respondeu: TNX NEW ONE ON CW. I WILL SURE DO. GL 73 TU. Um HL enfiou o sinal em tail end e logo mais um, mais outro e enfim começara o pile-up. As bandas altas entraram em operação após o amanhecer e o pile-up rugiu grosso e permaneceu tautofônico por todo o dia.
A estação de controle e operação estava dotada de algoritmos interessantes utilizados antes do QSO ser registrado no banco de dados. O operador ao digitar o indicativo da estação fazia com que o indicativo fosse para um banco de dados temporário. O indicativo tinha seu grid localizado num banco de dados para em seguida ter seu sinal real em dBW comparado com uma tabela de dBW para cada grid locator. Essa tabela havia sido gerada horas antes do início da operação através de um mecanismo de cálculo que fora concebido por um brasileiro e um finlandês utilizando os circuitos point-to-point do IONCAP para UNIX cedido pela marinha americana. Os sinais que mostrassem divergências entre 20 e 40% eram rotulados com SQSO ou suspicious QSO, os que mostrassem divergências acima dos 40% eram imediatamente rotulados de PQSO ou proxy QSO. Ao final do turno de operação os PQSO eram retirados do log temporário e enviados para ARRL para ulteriores providências e não eram registrados no log definitivo. Esse procedimento foi concebido para evitar casos como o QSO com 3Z9DX/P5 em 15 metros feito por um ascendente. À ocasião um veterano e respeitado DXer interpelou o contumaz argumentando que em 50 anos de rádio nunca soubera que houvesse propagação para aquela região naquele horário e ouviu a seguinte pérola do ascendente: “foi uma abertura esporádica”. Abertura esporádica em 15? O QSO não teria sido feito de Yuzhno? retorquiu o velho DXer com um sorriso sarcástico. O ascendente nada disse mas pensou: como ele ficou sabendo?
Ao cabo de alguns dias começaram as operações em 80 e 160 e a mesa de operações recebeu um novo aplicativo. Da mesma forma, ao trabalhar uma estação em 40, 80 ou 160 metros o operador digitava o indicativo que era direcionado para um banco de dados provisório para então ser comparado com uma tabela auxiliar que continha os horários de sunrise e sunset para cada grid locator. Os QSOs que tivessem sido feitos noventa minutos antes do sunset ou depois do Sunrise eram imediatamente rotulados como PQSO e recebiam o mesmo tratamento descrito; igualmente, os sinais que tivessem intensidade fora do esperado eram tratados como os QSOs de banda alta. Os grongueiros estavam decididamente em maus lençóis. Um búlgaro trabalhou P5RS em 160 metros logo no segundo dia de operação na banda e em seguida surgiu o indicativo de um PY, não deu outra, o aplicativo estampou na tela em letras vermelhas: DAYLIGHT PROXY QSO.
Mas nem tudo estava perdido na visão dos flibusteiros, um brasileiro com contatos pessoais no terceiro mundo conhecia um hacker no Azerbajan, um veteraníssimo DXer que vivia numa cadeira de rodas e era hacker nas horas vagas, competentíssimo, aduza-se. O hacker invadiu o drive SSD e, com todo o cuidado horário, introduziu todos os QSOs necessários em todas as bandas num setor do SSD dentro de um minúsculo arquivo escrito em código binário. Os dados seriam convertidos para ASCII e introduzidos no banco de dados quando fosse dado o comando: close dB. Mas a confusão estava potencialmente armada, seu comparsa de Yuzhno já havia trabalhado usando o indicativo do PY2 em 160 e 80, ambos QSOs durante o sunset do P5 e no meio do pile-up japonês. O sistema detectou a gronga e colocou o indicativo na lista negra inutilizando o trabalho do hacker. Mal sabia o hacker que todo o sistema estava protegido e seu pequeno e malcheiroso bacalhau já havia sido posto em quarentena para análise posterior.
Enquanto isso lá pelas bandas do sul um conhecido grongueiro sugava a bomba de chimarrão enquanto ruminava seus pensamentos traçando planos para conseguir confirmar P5 em 160...
73 DX de PY2YP - Cesar

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Expedição Remota II

Em Vladvostok o clima era de comemoração, os DXers ali reunidos, mal podiam se conter de bêbados que estavam de tanto comemorar. O que mais se via eram garrafas de Wodka trazidas pelos finlandeses, uma garrafa de whisky pela metade trazida por um escocês e muita cerveja aguada, presente da delegação americana. Dois DXers da velha guarda permaneciam sóbrios por determinação médica e prontos para dar início à dx-pedition. Caberia ao mais velho as honras da casa e chamar CQ.
O pessoal das mesas de controle estava com os olhos grudados nos monitores que indicavam temperaturas interna e externa, umidade interna do ar, funcionamento dos servo-controladores e o principal: as câmaras de vídeo dotadas de sensores infravermelhos para detecção de intrusos num raio de meia milha. No alto do mastro da antena havia uma câmara que podia enxergar ainda mais longe, cerca de 3 milhas sob nevoeiro médio e uma milha sob nevoeiro intenso. Três grandes relógios com um pé de diâmetro mostravam os horários: o central marcava a hora do local de operação, o da esquerda a hora local do centro de operações e controle e o da direita hora universal. Eram precisamente 05:30 em Hanyopyong quando o russo, líder do centro de operações, deu ordem aos veteranos DXers que iniciassem a operação.
A comunidade dxzista ao redor do mundo estava com a recepção de seus rádios ajustadas em 14.025 que era de longe a frequência de maior aposta para início das operações. O indicativo mantido em absoluto segredo finalmente seria usado para o primeiro CQ e fora motivo de infindáveis discussões, P5RS remetia à operação do infausto Romeo Stepanenko quando da expedição P5RS7 que segundo foi apurado operou da Rússia Oriental, ali mesmo, perto de Vladvostok, ao demais, RS remetia igualmente às suas iniciais. Por outro lado, argumentavam os defensores, RS era uma homenagem à primeira remote station expedition. Optou-se finalmente após imensas discussões por P5RS. Os egressos não entendiam o motivo de tanta exultação mas comentavam entre eles usando o dialeto próprio das suas origens: “vou fechar um QSO com essa ativação”. Os ascendentes estavam excitadíssimos com a possibilidade de trabalharem um ATNO. Haviam descoberto há pouco o significado de all time new one e usavam a expressão na forma de abreviatura exibindo grande sabença e intimidade com os infindáveis mistérios. Ao demais, para os ascendentes, ATNO é o que não falta, há muito por fazer ainda.
Igualmente, discutiu-se muito qual a banda e modalidade para início. Da forma como a estação foi concebida só haveria uma estação no ar operando uma única banda e uma só modalidade por vez. Como então distribuir o plano de bandas e modos? Para os egressos 20 metros era a consecução de seus sonhos, trabalhar um país do calibre de P5 era a glória dos egressos. Para os ascendentes, a modalidade de início tanto fazia, já operavam CW, já haviam se distanciado dos egressos e tentavam emparelhar-se com os OT, assim, o que valia mesmo era P5 no log e poder sonhar com o top, sonho e tortura dos ascendentes. A modalidade de início também fora motivo de muita discussão, alguns dos patrocinadores exigiam que o início e a maior parte da operação se desse em fonia. Falar todo mundo fala, argumentavam. Por outro lado, os veteranos retorquiam: hoje em dia qualquer pândego chega ao honor roll em telegrafia com ajuda de decodificadores ou mesmo com uma telegrafia básica, só precisam identificar seus indicativos o que pode ser conseguido pelo método pavloviano. Até mesmo cérebros obtusos conseguem decodificar seus próprios indicativos, escarneciam.
Outra discussão sangrenta onde alguns puristas quase saíram no tapa com os modernistas foi a decisão da modalidade digital. Estes últimos argumentavam que poderiam automatizar todo o processo utilizando a modalidade da moda: FT8. O software coloca o transmissor no ar e emite 5 sinais simultâneos em modo pentaplex, estes 5 sinais são conhecidos como foxes; ao passar para recepção, varre o espectro decodificando até 50 sinais simultaneamente; um algoritmo decide para qual indicativo voltar bloqueando sinais acima de 13 dB para não estimular o uso de potência nas pontas do pile-up, as estações desta ponta são denominadas hounds. O processo estabelece peso para os indicativos, baseado no sistema de cotas: os mais velhos terão peso maior, os países com menos densidade demográfica terão, igualmente, tratamento preferencial; os países mais pobres, terão pesos ainda maiores porque seus habitantes não podem arcar com os custos exorbitantes de monobandas ou de antenas dinâmicas. O processo pode ser automatizado a tal ponto que os operadores do centro operacional poderão descansar enquanto a estação remota cuida de tudo trabalhando 5 estações por vez. Na ponta do pile-up, argumentavam os modernistas, os operadores também não precisarão intervir para ter P5 no log, basta deixar que o software cuide de tudo. É o final dos tempos destemperavam os mais velhos repetindo a mesma frase utilizada no final da década de 1950 quando surgiram os transceptores que usavam o moderníssimo SSB. Fora do CW não há rádio, lamentavam.
continua...
73 DX de PY2YP - Cesar