quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Garimpo

Há 40 anos quando comecei com o DX ninguém se preocupava em trabalhar os países em diferentes bandas, nem mesmo em diferentes modos, um QSO era mais do que suficiente para contar o país no DXCC. É claro que quando podíamos trabalhávamos o mesmo país pelo menos duas vezes para ter certeza de que não receberíamos o QSL de volta com o temido NIL, not in log, ou como alguns managers escreviam em latim: nihil; este segundo QSO era conhecido como insurance QSO. Nas mais das vezes trabalhávamos primeiro em CW onde os pile-ups eram mais organizados, e acho que ainda são, e depois tentávamos em fonia. E isso era tudo.
O dia primeiro de janeiro de 1975 foi um marco para o DXCC, começava nesse dia o DXCC em CW, isto é, os QSOs em CW só valeriam para o diploma se feitos após o dia primeiro de janeiro desse ano, os QSOs feitos em CW antes dessa data contavam apenas para o diploma DXCC misto. Isto nos obrigou a trabalhar e confirmar novamente os países que tínhamos naquela modalidade. Alguns DXers trabalhavam as bandas para o diploma 5 bandas DXCC, criado em 1968, onde era necessário confirmar 100 países em cada uma das bandas: 10, 15, 20, 40 e 80 metros sendo possível utilizar todos os contatos feitos após 15 de novembro de 1945. Uma vez conseguido o diploma eles paravam por aí eis que o diploma 5BDXCC não era endossável, isto é, de nada adiantaria ter 250 países em cada banda. As bandas WARC: 12, 17 e 30 metros ainda não estavam liberadas para os radioamadores.
Os logs em papel não ajudavam muito nas estatísticas e não sabíamos exatamente o que tínhamos, exceto é claro, o número de países nas modalidades CW e fonia. RTTY nem pensar porque não haviam expedições para a modalidade por razões um tanto quanto óbvias, era praticamente impossível levar uma máquina de telex de 200 quilos adaptada para RTTY, os praticantes da modalidade eram poucos e taxados de malucos e não se importavam muito com o DXCC.
Com o surgimento dos computadores pessoais e os softwares de log o quadro mudou completamente, ao pressionar de umas poucas teclas lá estava o log: limpo, organizado, com todas as informações possíveis e estatísticas confiáveis. O problema passou a ser digitar os logs velhos para espelhar a situação real do DXer. É claro que facilidade demais acaba por prejudicar e é comum encontrar logs eletrônicos cheios de lixo: QSOs sem identificação de país, modalidade errada, além das horríveis duplicidades, enfim, ter um log eletrônico não significa ter um log correto. Do lado da ARRL os computadores permitiram melhor controle dos diplomas e permitiram a criação de diplomas DXCC por banda, os modos digitais se tornaram populares e criaram o diploma Challenge, este sim, um desafio para todos, afinal alcançar a marca de 3.000 países bandas é uma tarefa para poucos, muito poucos. Eu tinha sérias desconfianças que meus logs velhos poderiam esconder alguns países bandas não cobrados à época.
Munido de toda a paciência que consegui juntar, ali por setembro de 2011, comecei a digitar os logs. Imaginei que para digitar os quase 10 mil contatos em papel levaria em torno de 50 dias corridos se tivesse a disciplina de digitar apenas 200 por dia, o que não é muito e assim fiz: reservei alguns minutos do dia para digitar a meta diária e antes do final do ano lá estava o log inteiro no computador. Os resultados foram surpreendentes, havia no log 8 países bandas que eu nem desconfiava que algum dia os houvesse trabalhados:
Comoros - D68KN 10 metros;
Navassa - KP2A/KP1 10 metros;
North Cook - ZK1MB 10 metros;
Prince Edward and Marion - ZS8MI 10 metros;
Serrana Bank - HK0AA 10 metros;
Bouvet - 3Y5X 15 metros;
Canal Zone - KZ5OJ 15 metros.
Iran/Iraq Neutral Zone - 8Z4A 15 metros;
Para confirmar ZS8MI bastou enviar o log para o LOTW e lá veio a confirmação; ZK1MB não pagou mas logo em seguida trabalhei E51MAN que pagou via LOTW ao final da expedição; KP2A/KP1 foi fácil, mandei um e-mail para o operador, ele me indicou o manager e pronto; o manager de 3Y5X estava trabalhando fora do seu país, demorou um pouco mas pagou; D68KN deu um pouco mais de trabalho mas descobri um dos operadores na Austrália e recebi o cartão.
Infelizmente não consegui confirmar HK0AA, 8Z4A e KZ5OJ. O primeiro, Serrana Bank, teve seu log queimado pela viúva do manager; a Mary Ann Cryder, WA3HUP, dos melhores managers de todos os tempos, adoeceu e não pôde confirmar a Zona Neutra. Já para a Zona do Canal, KZ5, pelos meus registros eu tinha mais um QSOs em 15 metros SSB e marcado como QSL RCVD: KZ5EJ, talvez perdido nas caixas de QSLs dos USA. Se eu conseguisse achar esse QSL minha situação em 15 metros melhoraria em muito, iria para 346 podendo alcançar 350 quando conseguir trabalhar os 4 que faltam.
Reuni novamente toda a paciência do mundo e comecei a procurar o maldito cartão da Zona do Canal. A única forma de acha-lo seria procurar QSL por QSL, um por um de forma a não ficar um único cartão de fora. Já que iria manusear milhares de QSLs, decidi digita-los todos: marcar os QSOs como confirmado; incluir no log os QSLs que havia recebido em concursos da época dos logs em papel; separar as ilhas para algum dia pedir o IOTA, ou simplesmente corrigir os dados dos QSOs que estivessem errados. Foram 14.992 QSLs digitados; os QSOs novos no log foram devidamente enviados para o LOTW. Depois disso, limpei o log retirando os QSOs duplicados, corrigi dados errados cruzando com o log em papel. Para finalizar copiei para outro arquivo de log alguns QSOs que nunca foram validados para o DXCC: XZ9A, P5RS7, 9C0X, ZC3HGN dentre outros; no log original esses QSOs foram marcados com RST igual a zero, para que o DX4WIN os considerasse inválidos, neste caso o software mantém o QSO no banco de dados mas este não é considerado nas estatísticas; se algum dia isso vier a ser alterado como foi o caso de 7O1A basta digitar 59 ou 599 no campo RST e tudo volta ao normal. Igualmente foram transferidos para o outro log os QSOs com estações que algum dia tiveram a pretensão de se tornarem países: Transkei, Siskei, Bophutatswana, Snake Island, Guemes Island e outros mais. Enfim, o log ficou pronto, com as ilhas marcadas e separadas, sem contatos duplicados, tudo limpo e organizado. Ficou um log de dar água na boca de qualquer DXer que um dia teve seus logs em papel. Agora eu sei que tenho QSLs suficientes e diferentes para 3 diplomas 5BWAZ; sei quantos QSOs eu tenho por países cabeludos e em quais bandas, quais confirmados, quantas ilhas confirmadas etc. Tudo ajustado e perfeito mas o QSL da Zona do Canal não apareceu.
Digitar os logs e os QSLs foi uma volta ao passado, ao tempo em que eu podia ficar acordado até tarde ou levantar durante a madrugada para procurar pelo pile-up de alguma expedição, ou mesmo lembrar das longas conversas com americanos e europeus para saber as novidades ou possibilidades de uma operação em Burma, Albânia, China e outros países impossíveis. Foi também uma dolorosa lembrança ver a letra nos QSLs de vários amigos que já se foram. Junto com alguns QSLs haviam cartas ou bilhetes de operadores agradecendo o bate-papo ou trazendo notícias; num desses bilhetes havia um escrito por DJ7ZG agradecendo pela ajuda com um QSO com o Anibal, operador da Estação Científica Corbeta Uruguay, mas esta é outra história para um outro texto.
73 DX de PY2YP - Cesar

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Parâmetros para etiquetas

Os usuários do DX4WIN certamente já se depararam com um pequeno problema na impressão de etiquetas que vêm em folhas. Eu pelo menos tive esse problema durante anos até que decidi estudar o problema com mais atenção e finalmente resolvê-lo. O problema a que me refiro acontece nas últimas linhas de etiquetas quando o indicativo começa a ficar muito próximo da borda superior até que, em alguns casos, fica com a parte superior das letras invadindo a etiqueta da fila acima. Se alguém já teve esse problema aqui está a solução.
Inicialmente é preciso entender o significado de cada um dos parâmetros utilizados pelo DX4WIN: FILE | DATABASES | LABELS. Eu utilizo etiquetas da Pimaco modelo 6180 com 30 etiquetas por folha. Os parâmetros citados neste exemplo são os que uso para impressão nesse modelo mas podem facilmente ser adaptados para quaisquer outros. Os valores a seguir são os valores default da etiqueta 5160, similar à 6180:
Number across: 3 é o número de colunas de etiquetas;
Number down: 10 é o número de linhas de etiquetas;
Label width: 66,67 mm é a largura da etiqueta;
Label height: 25,40 mm é a altura da etiqueta;
Horizontal pitch (distância entre dois objetos): 69,85 mm é a distância entre as colunas;
Vertical pitch: 25,40 mm é a distância entre as linhas;
Spacing left: 4,78 mm é a margem esquerda ou a distância entre a borda da etiqueta e borda do papel;
Spacing top: 12,70 mm é a margem superior ou a distância entre a borda superior da etiqueta e borda do papel;
Horizontal Shift: 0,00 mm é distância entre o texto e a borda da etiqueta ou o valor usado para deslocar o texto a partir da borda esquerda da etiqueta. Este valor altera apenas o texto dentro da etiqueta e não a localização da etiqueta no papel, é como se fosse a margem dentro da etiqueta;
Vertical Shift: 0,00 mm é distância entre o texto e a borda superior da etiqueta;
Com estes valores a impressão não fica boa, como eu disse no início, o texto começa a "subir" até "comer" um pedaço do indicativo. Aparentemente há um problema no passo da impressão, isto é, a impressão na 2a linha de etiquetas desloca um pouco, na 3a linha desloca mais um pouco e assim por diante. Inicialmente tentei modificando os valores das margens, tanto esquerda quanto superior. Deu certo para o deslocamento horizontal, mas no vertical o problema permanecia. Em seguida alterei os valores do deslocamento (shift) e o resultado foi exatamente o mesmo. Por que o problema estava apenas no deslocamento vertical? Seria algo relacionado com o driver de impressão?
O valor do pitch, tanto horizontal quanto vertical, compreende a distância efetiva entre duas etiquetas alternadas, isto é, a distância entre a etiqueta da primeira coluna e a da terceira coluna, ou, entre a primeira e terceira linha, incluindo nessa conta o corpo da etiqueta da segunda linha ou coluna. Uma análise mais cuidadosa dos valores default apontaram algo estranho: comparando a largura da etiqueta com o pitch verifiquei que o pitch era ligeiramente maior do que a largura da etiqueta, enquanto a distância vertical (pitch) era exatamente igual à altura da etiqueta. Hummm, o fabricante de etiquetas estava afirmando que a distância vertical entre as etiquetas era igual a zero. Peguei uma lupa e examinei cuidadosamente uma folha nova e vi que havia uma pequena diferença, pequena, mas não era zero. Identificado o problema bastaria aumentar o pitch vertical, mas quanto? Como o deslocamento ocorria 9 vezes, número de espaços entre as 10 linhas, essa pequena diferença era multiplicada por 9. Como o deslocamento final era de pouco mais de 2 milímetros bastaria dividir o deslocamento final por 9 e acrescentar ao valor default do pitch. Pronto, problema resolvido.
Abaixo os valores que funcionaram bem para mim:
Number across: 3;
Number down: 10;
Label width: 66,67 mm;
Label height: 25,40 mm;
Horizontal pitch: 69,85 mm;
Vertical pitch: 25,64 mm;
Spacing left: 4,78 mm;
Spacing top: 12,70 mm;
Horizontal Shift: 3,00 mm;
Vertical Shift: 1,00 mm;
Para que coubessem 3 QSOs em cada etiqueta adotei a fonte Consolas - que lembra um pouco as máquinas elétricas da IBM e tem o zero cortado - corpo 9 para o indicativo de chamada da estação e corpo 8 para os dados do QSO.
73 DX de PY2YP - Cesar

domingo, 26 de maio de 2013

Hipérbato

A civilização grega, ao tempo das cidades-estado, desenvolveu-se em níveis nunca antes experimentado pelos povos ocidentais, o progresso era tanto que as artes tinham lugar garantido na lista de preocupações e no gosto do povo. Os anfiteatros eram muito bem construídos com o palco no lugar geométrico dos ouvidos da audiência de forma que o artista não precisava elevar a voz para ser ouvido, não havia amplificadores nem microfones, nem precisava, esses ambientes abertos eram uma perfeição da engenharia acústica. Lá no palco declamavam-se poesias com as mais variadas métricas. Os ouvintes batiam os pés, esquerdo e direito, alternadamente para marcar a entonação das sílabas, essas batidas eram denominadas iambós, batidas de pé de verso: uma curta e outra longa, batidas iambicas. Os gregos fizeram escola e até hoje os poetas, os de boa estirpe, usam os ensinamentos para suas métricas: sáfico, heróico, alexandrino e outros tantos. Cada linha da poesia tem que ter um número determinado de sílabas e a rima, uma coincidência de fonemas, em geral a partir da última vogal tônica de cada verso, é o que dá vida e graça ao texto. Dentre os mais variados tipos de poesia, a mais difícil, a de mais rigorismo é a parnasiana.
Um poeta parnasiano de peso - não um desses repentistas que ficam falando bobagens rimadas - não abre mão do rigorismo formal. Para conseguir a rima dentro da métrica inflexível ele acaba por fazer concessões gramaticais, ou, como querem os puristas, criar formas gramaticais para conseguirem seus intentos. Por exemplo: “Não é que o meu o teu sangue / Sangue de maior primor.”. Alexandre Herculano inverteu o texto para atender o rigorismo exigido pela sua poesia e ao inverter o texto dificultou o entendimento. Tivesse escrito: “O teu sangue não é de maior primor que o meu.” o entendimento do texto seria mais fácil mas o rigorismo poético não seria atendido e isso os parnasianos não admitem, não fazem concessões. A figura gramatical para a inversão do texto chama-se hipérbato que basicamente é o mesmo que anástrofe, nome que se dá para inversões curtas.
Um DXer de peso, sério, jamais abre mão dos seus princípios éticos, dos rigorismos formais do DX. Não pode conceber ou admitir colocar no seu log um contato que não tenha sido feito por ele mesmo. A gronga é para aquela gente advinda de outras freqüências, daquelas que compartilham com seus iguais: entregadores de pizza, taxistas, caminhoneiros e outros tantos. Enquanto esse rebotalho humano fique restrito às frequências altas, lamentamos mas passamos ao largo, não nos misturamos e vamos levando a vida. O diabo é quando um desses mal feitores radiofônicos, isso mesmo, esses foneiros, se metem a operar DX em bandas baixas. Bandas onde o objetivo não é só contar países ou zonas, antes, o objetivo é o contato em si. Luta-se pelo QSO para alcançar distâncias inimagináveis em 80 ou em 160; esforça-se para escutar sinais fracos dentro do QRN que judia dos tímpanos; concentra-se até a exaustão para copiar o indicativo, aos poucos, letra por letra até completá-lo. Ars per ars, a arte pela arte. Os DXers parnasianos não admitem concessões de qualquer espécie: inverter a ordem natural das coisas conseguindo o QSL sem ter feito o QSO; declarar uma operação QRP e operar com potências vinte vezes maiores; participar de contestes em categorias não-assistidas e operar com o cluster à sua frente ou, pior, participar de competições sem ao menos estar presente na sua estação. Essa gente, essa espécie de gente, esses foneiros, não passam de repentistas de feiras-livres, não conseguem o respeito da comunidade, faltam-lhes muito, faltam-lhes talento e capacidade, sobram-lhes apenas o desejo de subir o Olimpo, reservado apenas para aqueles que não fazem concessões: os parnasianos.
73 DX de PY2YP - Cesar

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Experimentações Teóricas

Um dos maiores, senão o maior, problema no projeto de antenas é o tamanho físico resultante. Não há como escapar: mais ganho = mais tamanho. Aqui tamanho é documento, é inexorável. Não existe mágica o tamanho de uma antena para as bandas de 80 ou 160 metros será sempre muito grande. Bem, pelo menos esta é a regra decorrente dos livros de física.
Há vários anos, quando estava projetando o meu sistema para 80 metros, tentei reduzir o tamanho do mostrengo mas foi tudo em vão. Fiz o projeto seguindo os preceitos básicos e tudo funcionou dentro do esperado, mas em termos físicos o resultado foi uma antena ocupando cerca de 4.000 metros quadrados o que é um insulto ocupacional. Apesar do excelente desempenho da 4 square não desisti da busca de algo mais compacto, sem prejuízo do desempenho, e talvez com algum ganho adicional. Se as leis da física não permitiam a redução do tamanho, em detrimento do ganho, imaginei que a química pudesse dar alguma contribuição à solução do problema, afinal as leis agora passam para a circunscrição da físico-química, o que pode, em tese, significar um avanço.
A energia emitida por uma antena é gerada no entorno, na superfície, do elemento irradiante, isto é lei da física e imutável, mas, se excitarmos um gás ou uma mistura de gases poderemos ter essas irradiações em camadas concêntricas, como se fossem tubos montados um dentro do outro, e portanto a energia irradiada poderá ser multiplicada pela energia gerada nas camadas inferiores diminuindo o comprimento físico e adicionando um ganho, se fossemos utilizar o jargão do mercado financeiro poderíamos denominar de operação alavancada. Ora, o momento angular de um corpo é a grandeza física associada à rotação e translação desse corpo, assim, um corpo girando em torno do seu eixo, acaba por relacionar sua distribuição da massa com sua velocidade angular; por conseguinte a quantidade de movimento angular é a grandeza conservada sob rotações no espaço tridimensional, decorrente da sua isotropia, obviamente advinda de simetrias geométricas: quantidade de movimento linear, energia e quantidade de movimento angular. Com estes conceitos em mente, comecei a estudar o movimento angular dos íons resultantes de alguns gases que devidamente excitados em uma dada frequência pudessem responder linearmente, e em camadas, durante um tempo indefinido, isto é, uma vez excitados conservariam o momento angular e a distribuição em camadas até a interrupção da energia aplicada. Vale lembrar que a ionização do gás só acontece com potências superiores a 800 watts aplicados no conector da antena, não é na saída do amplificador. A contra-partida disso são as variações isotérmicas resultantes da excitação do gás sob as elevadas tensões da RF aplicada; segundo a lei de Huyghens nas colisões elásticas entre as moléculas o produto da massa pelo quadrado da velocidade permanece constante; desta forma, a adição de um sal ionizante proverá à mistura um fator para arrefecimento sem reduzir o número de íons livres. Depois de muito estudo teórico e muita simulação foi chegada a hora de montagem do primeiro protótipo. Os resultados iniciais foram animadores, alguns gases realmente se comportaram como esperado mas com várias falhas para o fim a que se destinavam. Depois de várias simulações teóricas consegui a mistura que respondeu às minhas expectativas: manutenção das características fisico-químicas após a redução de volume, manutenção do momento angular sob variações intensas de temperatura e principalmente a estabilidade da frequência resultante. Este último ponto era crucial e foi o que demandou mais experimentos, afinal, a variação da frequência ressonante sob quaisquer determinantes poderia prejudicar a relação de ondas estacionárias. A mistura de gás resultante é composta de xenônio, nitrogênio, oxigênio, fósforo e bário; as proporções de xenônio e os sais de peróxido de bário, foram fundamentais para o estabelecimento do intervalo de variação de temperatura em níveis térmicos aceitáveis e, principalmente, garantido a linearidade das isotermas, por outro lado a adição de fósforo garantiu a formação de camadas concêntricas permitindo a geração de energia em camadas na mesma dimensão linear. A mistura final foi batizada de Xenóphobo por conta dos símbolos dos elemento químicos dos componentes: Xe, N, O, PH e B.
O software utilizado nas simulações foi o NEC5 (Numerical Eletromagnetic Code) versão 5.2 cujos cálculos são baseados no método dos momentos aplicados às modelagens por segmentos de fio ou por segmentos de área; esta versão só trabalha em ambiente Unix sem interface gráfica, apenas por linha de comando. Para operar as simulações de momentos em volumes compartimentados específicos foi utilizado um addon escrito pelo russo Lev Yashin, UA1KGW, professor de geometria tridimensional da universidade de Leningrado. Depois de várias simulações uma antena yagi de 3 elementos para 14.175 kHz foi configurada com os elementos em 1,80m afixados numa gôndola de 2,73m. O ganho frontal é de 10,83 dBi e a relação frente x costa de 28,3 dBi. O comprimento dos elementos é constante variando-se apenas as quantidades de fósforo e peróxido de bário no refletor e no diretor.
O protótipo foi montado com lâmpadas fluorescentes usadas presas em ripas de madeira. Os elementos e gôndola são interligados com fios nas configurações clássicas das yagis. O gás resultante apresentou impedância de 198 ohms exigindo um balum 4:1 para seu casamento com a linha de alimentação. Foram adaptadas válvulas pneumáticas nas pontas das lâmpadas para inserção e retenção do gás. Os gases componentes da mistura foram todos com teor de pureza superior a 99% e adquiridos junto a um fornecedor de gases industriais. O desempenho do protótipo foi excepcional principalmente na recepção onde a total ausência de elementos metálicos reduziu a sensibilidade à captação de ruídos externos, principalmente dos famosos ruídos de linha devido ao nulo obtido pelo diferença angular entre o vetor preponderante da rotação molecular do gás e o vetor do ruído elétrico; a sensibilidade de recepção ficou melhor do que -165 dBw. Infelizmente o protótipo teve que ser desmontado devido a precariedade da montagem e do risco de queda. Não pretendo montar outra antena para 20 metros mas o projeto está a disposição dos interessados.
A redução física do elemento irradiante me animou a um novo projeto que se encontra atualmente em fase de testes: um array de 8 verticais para 80 metros com altura de 8,96 metros cada. A configuração geométrica é composta de 2 quadrados concêntricos, o interno com 8,96m de lado e o externo com 26,88 metros de lado o que me permite utilizar os 5.000 metros de radiais existentes da 4 square de torres. Com os gases corretamente configurados a antena trabalha com 7/8 de onda apresentando ganho frontal de 9,6 dBi e relação frente x costa de 30 dBi com ângulo de saída em 16 graus. Os tubos estão em PVC de 250mm de diâmetro para diminuição do Q de entrada e consequentemente estacionárias mais baixas nas extremidades da faixa, a exemplo do que acontece com as verticais em torre; os tubos deverão ser quimicamente tratados devido à pressão osmótica do gás quando submetido a 1.5 kW. A potência ideal de operação é em torno de 1.200 watts onde a ionização é excelente e a temperatura se mantém relativamente estável mesmo em câmbios longos. Não foram testados comunicados em RTTY onde as simulações teóricas indicam um nível de potência entre 800 e 900 watts, próximos ao limite inferior da banda de potência ionizante.
Ainda falta muito para resolver todos os problemas mecânicos, armazenamento de gás e outras dificuldades para montar um sistema que tenha durabilidade, estabilidade e outras necessidades operacionais, mas os resultados são animadores. Se eu obtiver sucesso nesta configuração o próximo passo será um array de verticais para 160 metros com ganho frontal da ordem de 6,5 dBi mas aqui os custos são um tanto quanto desanimadores e não poderei montar protótipos e antenas de testes, terei que montar o projeto em definitivo devido aos altos custos envolvidos.
Concluindo, é possível reduzir o tamanho físico do elemento irradiante e dos parasitas, mas o volume de gás equivalente será sempre o mesmo; o componente de maior custo é o gás, porém ao aumentarmos a pressão para manutenção do volume equivalente, conforme nos ensina sir Robert Boyle, os custos de retenção do gás aumentam exponencialmente devido a vazamentos e tensões osmóticas incidentes, assim, penso que a relação ideal entre volume e custo deva estar da ordem de sessenta e cinco por cento de redução o que já um valor expressivo.
Os interessados nos projetos podem solicitá-los por e-mail cujo endereço consta do meu site, será um prazer compartilhar os resultados obtidos.
73 DX de PY2YP - Cesar

segunda-feira, 18 de março de 2013

With a little help

Uma das maiores dificuldades no aprendizado da língua inglesa é, sem a menor de todas as dúvidas, a utilização das preposições, as regras são imprecisas e nas mais das vezes inexistentes. Pior, uma preposição justaposta a um verbo altera radicalmente o seu significado conferindo-lhe nova conotação, são os chamados phrasal verbs, por exemplo: to give = dar; give up = desistir; give in = aquiescer. Apenas este tópico já é capaz de levar o aluno ao destempero porque a lista é longa, muito longa; já com as preposições este estágio é ignorado indo direto ao desespero.

Ali pelo meio da década de 60 um tal de Joe Cocker escreveu uma musiquinha que era tocada a toda hora nas festas do centro acadêmico da escola de engenharia. Quando os Beatles a gravaram o sucesso foi total, detonou. Tinha um refrão assim: Ooh, I get high with a little help from my friends; Yes I get by with a little help from my friends. O verbo to get sofre alteração com a preposição by e passa a significar conquistar, conseguir. Por outro lado, get high, significa ficar chapado, em estado de euforia. O refrão da musiquinha ficava na cabeça por dias de tanto tocarem, um porre.

Em agosto do ano 2000 apareceu no ar a estação FR/F6KDF/T da raríssima ilha de Tromelin um dos países mais bravos do DXCC ao lado dos demais integrantes da terrível França Austral: FR/G, FR/J, FT5W, FT5X e FT5Z. Além de poucas operações a propagação para aquelas bandas, principalmente nas frequências altas, é ruim e precisa de muito fluxo solar, enfim, uma região difícil. A expedição a Tromelin operou em RTTY pela primeira vez e o pile-up, como não poderia deixar de ser, era feroz; o pessoal nessa modalidade praticamente só opera de 20 metros para cima colocando os brasileiros em situação ainda mais difícil, pior, em 10 metros é melhor esperar pela morte, mesmo com fluxo alto a propagação norte-sul favorece os europeus e nos deixa à margem de qualquer chance. No código postal da França os dois primeiros dígitos indicam o departamento, uma divisão administrativa: o de número 91 é de Essonne, 92 é Hauts-de-Seine, o de 94 é de Val-de-Marne e assim por diante. Finalmente a estação FR/F6KDF/T apareceu em 28.070 e trouxe junto um pile up intransponível; de intervalos em intervalos o operador transmitia: QRZ DE FR/F6KDF/T ESSONE e os franceses que já sabiam do esquema transmitiam em 28.091 para serem atendidos; outro intervalo e ele mandava QRZ DE FR/F6KDF/T HAUTS-DE-SEINE e novamente os franceses eram atendidos, agora em 28.092. Do lado de cá os brasileiros apanhavam muito no meio do pile-up nas imediações de 28.080 sem a menor chance de conseguir o QSO. Um desses brasileiros ao ver os departamentos, lembrou-se do código postal da França, onde havia morado durante anos, e quando ouviu QRZ DE FR/F6KDF/T VAL-DE-MARNE chamou em 28.094 e foi atendido; ao que me lembro foi um dos únicos PY a trabalhar Tromelin em RTTY. O entendimento do esquema para a pequena ajuda aos amigos franceses foi crucial.

Há alguns dias saiu no ar H44KW que era novo para mim nas bandas WARC. A propagação ruim e o meu dipolo rígido, fixo para os lados da Europa, me faziam desconfiar que a pancadaria seria grande. Em épocas como esta que estamos atravessando com sinais marginais, escutar com outra antena que não a da banda pode ser a diferença entre escutar o DX ou não, seja pelo ângulo de chegada dos sinais ou pela redução do ruído; o motivo não importa, basta que o sinal chegue. Para conseguir se safar em situações complicadas o canivete do DXer deve ter muitas lâminas, uma para cada situação, o meu tem várias. Em 30 metros só consegui escutar ao final da tarde e assim mesmo com a 4 square de 80 metros, pelo dipolo ele não chegava; surpreendentemente trabalhei após somente 9 chamadas. Em 17 metros eu fiz pela manhã ouvindo com a antena de 40 depois de apanhar bastante. Em 12 metros só conseguia ouvir com a yagi de 10 metros, o pobre dipolo não foi capaz de escutar uma única vez, mas com ajuda do linear até que dava conta do recado na transmissão. Para comutar as antenas eu uso uma chave programável da Hamplus que já me deu inúmeros países em situações idênticas a esta. O chaveamento entre as antenas de RX e TX é feito automaticamente sem o perigo de inverter e queimar algum equipamento; além disso, no caso das yagis, a chave comutadora leva o rotor correspondente à antena utilizada: basta mudar a banda no transmissor para o dispositivo levar antena e rotor para a nova banda. Esses caras da Hamplus são realmente bons, a chave vale cada centavo. A próxima aquisição será um linear em estado sólido com mudança de banda igualmente automática; quando cair um spot com um país novo um clique de mouse no software de log levará rádio, antena, rotor e linear para a frequência do DX. Wow!

Em 24.896 o pile-up europeu não dava chance; comecei a ouvir o H44KW por volta das 07:30 local e fiquei chamando até as 08:10 quando fui intimado a deixar o rádio e ir tomar o café, a cristal foi inflexível: "se não vier agora vai ficar sem café, não farei outro". Algo estava me incomodando no pile-up: vez por outra, eu procurava a estação para quem o H44 estava voltando e não ouvia, mesmo abrindo o filtro. Havia algo estranho ali, algo muito estranho. Voltei para o pile-up às 08:25 e decidi não chamar, achei melhor ouvir o pile-up e ver se a "falha" do pile-up era apenas cisma ou se havia algum coelho nesse mato. Comecei a contar as estações que o H44 trabalhava e as frequencias para tentar descobrir algum padrão de comportamento: OK1QSL 2 kHZ acima; OH3QSP 2,080 kHz acima e assim por diante, mas no sexto QSO ouvi G4QRO 599 e nada do inglês. Nova contagem e no sexto QSO outro inglês e nada do sinal dele no pile-up. Outra rodada e no sexto QSO: GM4QRP e nada do escocês no pile-up. Ah ah! eis o padrão: o sexto QSO vem de uma frequência desconhecida, o problema agora passou a ser: onde os amigos se escondem? Coloquei o VFO do segundo receptor 8 kHz abaixo da frequência de transmissão do H44KW e nada, silêncio total, apenas um HA5 um pouco mais abaixo chamando geral. Contei novamente os QSOs e desta vez, no sexto, fui ouvir 10 acima e lá estava GW4QTC 599 TU. Pacientemente esperei pela nova rodada de seis QSOs e no tempo certo, 10 kHz acima, bati meu indicativo e ouvi o retorno: PY2YP 599 TU. Pronto, finalmente estava no log de 12 metros. Wow, I get high with a little help from my friends...
73 DX de PY2YP - Cesar

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Chordal propagation

Para mim o futebol é um desses esportes sem graça e sem sentido, não conseguia entender o porquê da sua popularidade, até que um amigo carioca me explicou que o futebol é um jogo interessante porque é imprevisível, é um dos poucos esportes em que o mais forte nem sempre ganha. Em todos os esportes, continuou ele, o mais forte vence sempre; um corredor com o biótipo e treinamento corretos nunca perderá para um competidor que não esteja à sua altura. É inexorável.
Da mesma forma, uma estação menos equipada e mais distante dos centros de geração de QSOs nunca fará mais pontos em um conteste do que uma estação bem localizada e com antenas grandes. Isto é igualmente inexorável. Por outro lado, uma estação QRP - não essas falsas operadas pelos ascendentes, egressos da banda cidadã, que por profundo desconhecimento e ignorância pensam que conseguem nos enganar - mas as QRP de verdade, de operadores sérios, poderão trabalhar com mais facilidade um país difícil do que uma estação potente e com antena grande, claro, em horários diferentes. Basta alguma dedicação e muita experiência para estar na hora e na banda certa.
Aconteceu recentemente, a estação T6LG apareceu no ar disposta a dedicar boa parte do seu tempo nas bandas baixas. No início com problemas terríveis na sua recepção mas que foram solucionados com a inestimável ajuda do Zé Carlos, N4IS, que mandou não só o projeto mas todo o material para que o Ilian montasse uma antena de recepção decente e pudesse operar 160 e 80 metros.
Aqui em São Paulo, minha estação não chega ao ponto de dar pena, mas em 80 metros o V invertido e o alto nível de ruído me colocam em uma situação precária, para dizer o menos. Ao ficar sabendo que o Ilian havia conseguido melhorar sua recepção decidi que já era tempo de ir à sua caça com mais seriedade, até mesmo porque os rumores diziam que T6LG iria desligar tudo em fevereiro e já estávamos no final de janeiro.

São Paulo, 26 de janeiro de 2013, sábado
Os meus cálculos transcendentais, heurísticos e metafísicos diziam que as chances maiores de conseguir trabalhar o T6 seria poucos minutos depois do seu amanhecer, por volta de 02:50Z. A hora exata eu não tinha como saber por desconhecer as coordenadas da sua localização, mas deveria ser por volta disso. A dormidinha no final da tarde me deu ânimo para ficar até mais tarde e finalmente colocar no log um país realmente difícil. Vim para a estação por 22:30 (00:30z) mas o que escutava era apenas muito barulho, aquele ruído terrível de ovo frito; apesar disso decidi não mudar de banda, afinal foco é tudo o que precisamos para não deixar escapar um DX desse calibre. A insistência deu resultado, por volta das 01:40Z escutei C6AJR chamando geral, dei uma acertada na sintonia do SB-220 e consegui o QSO. Nada mau, país número 282 em 80 metros, mesmo sendo um país relativamente fácil, mas como eu não tinha, para mim era difícil. Mais um pouco e aparece chamando geral TR8CA que eu também não tinha. Wow! Algumas chamadas e o 283 vai para o log. Os dois países novos me deixaram realmente feliz e achei que se eu conseguisse trabalhar T6 poderia ter overdose de adrenalina. Por volta das 02:45z desliguei tudo e fui dormir. Grave erro, ele apareceu com sinais razoáveis na hora certa e alguns PY o trabalharam.

São Paulo, 27 de janeiro de 2013, domingo.
Profundamente irritado com o meu erro vim para o rádio na hora da propagação, mas nada do T6. Dois ou três minutos depois do horário calculado para o pico comecei a desligar tudo para ir dormir, mas o rádio é a última coisa que se desliga, e... que diabos é isso em 3.504? CQ CQ de $#&G $#L&. É ele! Liguei o linear e chamei duas vezes mas ele voltou para um americano, K4 alguma coisa. Termina o QSO e ouço claramente QRZ DE T6LG 1 UP o sinal firme em S8, chamo duas vezes e nada. Ele insiste: QRZ DE T6LG 1 UP chamo novamente e nada. Novo QRZ dele, chamo mas não consigo chegar. Ele também não volta, aparentemente fez QSY ou desligou. Uma estação que chama geral e faz um único QSO deveria ter sua licença cassada.

Indaiatuba, 28 de janeiro de 2013, segunda-feira.
Resolvi tudo o que precisava em SP e depois do almoço fui para Indaiatuba. Aqui a conversa é outra, as 4 torres da 4 square costumam resolver qualquer problema, mas, é preciso que ele apareça. Para que um QSO seja válido, é preciso que as duas estações se comuniquem entre si, embora um ou outro "DXer" (as aspas indicam descaso) consiga confirmar países cabeludos sem que a outra estação sequer tenha antena.
Os sinais estão miseravelmente pequenos, ruído forte, não havia como furar o pile-up. Vez por outra escutava um pê no final da transmissão, mas desgraçadamente o pê era de up e não de YP. No horário de pico escutei: PY??, chamei mas ele não me escutou. Nada. Depois do sunrise dele fui dormir, estranhamente o pico não foi tão pronunciado após o nascer do sol.

Indaiatuba, 29 de janeiro de 2013, terça-feira.
O Ilian apareceu no horário certo e por volta às 02:37z ouvi nitidamente PY2CP DE T6LG 599. Mandei correção e a reportagem, mas logo o sinal caiu e não copiei mais. Fui dormir muito incomodado com o CP, não havia ouvido a correção de volta. No dia seguinte mandei um e-mail para o Ilian e ele me respondeu:
Dear Cesar,
Unfortunately you are not in my log. I have only one SA contact today with HC2SL. I will be on 80m daily, please keep on trying! Thanks!
Regards!
Ilian, T6LG

Bem, pelo menos estou chegando perto, na segunda-feira copiou PY2, na terça PY2CP...

Indaiatuba, 30 de janeiro de 2013, quarta-feira.
Mera repetição do dia anterior. Sinais fracos e impossibilidade total de conseguir o QSO. Pensei com meus knobs: “Isto está a exigir providências mais drásticas: pinga, galinha preta e velas na esquina ao lado me parecem medidas adequadas.”
O pessoal experiente em banda baixa sabe que existem duas oportunidades para conseguir o QSO: no nosso entardecer ou no amanhecer do DX, isto para os países localizados a leste da nossa região; para os localizados a oeste é ao contrário. É regra geral que os picos de sunrise são sempre melhores do que os picos de sunset, isto porque no pico de sunrise ocorre um fenômeno conhecido como chordal propagation. Logo após o nascer do sol, a ionosfera, a leste da estação, começa a ionizar rapidamente formando um espelho côncavo com um formato parecido com o sinal de parênteses ")". Quando a estação de DX fica no foco dessa parábola os sinais dão um pico e conseguimos o QSO; o problema é que esse pico tem curta duração, em alguns casos mal dá para terminar o QSO, mas em geral dura em torno de 3 ou 4 minutos, É esse fenômeno que nos dá vários países.

Indaiatuba, 31 de janeiro de 2013, quinta-feira.
O mês está chegando ao fim e a preocupação aumenta. Fica a pergunta: o Ilian encerrará sua operação em qual dia de fevereiro? É bom lembrar que dia primeiro também faz parte do mês. Oh ralhos!
Vim para a estação e fico um bom tempo corujando as frequências habituais dele: 3502, 3504, 3507 e 3511, finalmente ele aparece em 3507, sinais pequenos mas melhores do que os dois últimos dias. Depois de uma hora de briga, precisamente às 00:16z consigo ouvir clara e perfeitamente: PY2YP DE T6LG 599 599. Passo o indicativo a reportagem e pronto: estou no log! A tensão desaparece imediatamente e decido tomar um gole de anti-depressivo tarja preta, twelve years, of course. Afinal não é todo dia que se trabalha Afeganistão em 80!
Passei o restante da semana em RTTY, embora o log dele não estivesse sendo atualizado, não me preocupei mais com o T6 Eu tinha convicção absoluta de que o QSO estava perfeito.

Indaiatuba, 02 de fevereiro de 2013, sábado.
Vim para a estação ali pelo meio da tarde, abro os e-mails e leio:
Hi Cesar,
I will be QRV on 80m after 22:00Z, so I will be waiting for you!
Regards!
Ilian, T6LG

Terrorista! Esse senhor deveria estar preso por falsidade ideológica. Como não me colocou no log? O QSO foi gramático: mais que perfeito! Foi com um sentimento de culpa por ter comemorado antes de ver o log que entrei em 80 metros por volta das 22:00 zulu. A esta hora as chances são ridículas e para agravar a situação a configuração da 4 square tem um vale nos lóbulos de irradiação entre as duas torres NE e SE bem na direção da zona 21. Na direção do vale o ganho da antena cai para menos da metade. O Ilian realmente apareceu mas um pouco mais tarde e depois de muito apanhar fui para o log exatametne às 02:25z. Desliguei tudo e fui dormir pensando: “se eu não estiver no log mudarei de hobby”. No domingo antes de voltar para SP recebo um e-mail dele:
Hi Cesar,
I am so sorry I forgot we already worked. I logged you today too. Thanks
for contacts, and excuse me, but too many emails and requests and I am
really confused. QSOs will be upload to LoTW very soon.
Thanks!
Ilian, T6LG

Na semana seguinte algumas estações de SP com configurações modestas trabalharam T6LG no horário de pico, sem a menor dificuldade, sem pressões, sem pile-up, sem ruído e com sinais fortes. Isto, igualmente, poderia ter acontecido comigo logo no dia 26 se eu tivesse permancido no rádio mais 5 ou 10 minutos, mas nesse caso eu não teria este caso para contar.
73 DX de PY2YP - Cesar

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O zumbi

A morte é um dos fenômenos fundamentais do universo. Ela acontece para todas as criaturas quando a capacidade de adaptação do frágil e miraculoso microcosmo das células e das moléculas de proteínas, as quais denominamos de organismos vivos, sucumbe perante as agressões das forças externas ao ambiente celular. Simplificando: quando as forças externas aniquilam a capacidade de adaptação das células o resultado é a morte. Simples e definitivo.
O conceito da morte acompanha o da vida desde quando os primeiros hominídeos adquiriram consciência de que estavam vivos. A morte, pela sua inexorabilidade, desperta os mais diversos sentimentos nos humanos: fascinação, admiração, respeito, pena e medo. É esse medo que tem tangido os homens às religiões em busca de abrigo e proteção. O medo do desconhecido, o medo do que haverá após a morte. O medo de ter perdido a última chance em vida de ser alguém ou de ter deixado como herança um bem ou um exemplo a ser seguido. O outro lado do medo chama-se recompensa, o que faz com que os homens tentem se tornar bons para garantir uma vida eterna com conforto ao lado do Criador gozando as delícias celestiais para todo o sempre. E assim o homem vai levando a vida à espera do inexorável Juízo Final (em maiúsculas para ficar mais solene), mas sempre tendo em mente que poderá ser perdoado pelos seus erros, pelas suas falcatruas ou pelos seus pecados. Desgraçadamente o equilíbrio entre a virtude e a safadeza é tênue e pode ser rompido a qualquer instante. O comportamento ao longo da vida oscila entre esses dois bastiões comportamentais, um leva à glória, o outro à desgraça. Um leva ao paraíso, o outro ao inferno.
Conta a lenda que um conhecido DXer graças às suas boas antenas e recursos materiais galgou uma posição de respeito ímpar perante seus pares; todos o admiravam, afinal seus feitos eram dignos de nota: score elevado no DXCC; WAZ; WAS; o primeiro do mundo ao falar com todas as aldeias da Alsácia; o primeiro do mundo a falar com todos os oblasts, além de vários outros feitos importantes. Dizem os antigos que a menor das válvulas que ele usava na sua estação exigia duas mãos para carregá-la, dessas válvulas que têm alças para facilitar o manuseio. As suas gigantescas antenas permitiam fazer comunicados em horas improváveis para a banda. Os horários eram impossíveis para os pobres mortais com antenas de fio e recepção ruidosa, para ele os QSOs saiam da zona do impossível e entravam na zona do improvável, mas mesmo assim, ninguém ousava duvidar. Os mais experientes diziam simplesmente: impossível não, apenas improvável, mas com as antenas dele talvez tenha sido feito. E lá iam os cartões aparecendo em horários improváveis para bandas baixas, muito depois da camada D ter sido formada; outros com estações que nunca operaram, numa ou noutra banda; outros em bandas que não foram operadas pelas expedições. Estes últimos continuavam na zona do impossível, não conseguiam ir para a zona do improvável por razões óbvias. E ele seguia seu caminho com QSOs verdadeiros misturados aos inexistentes, misteriosamente comprovados.
Ao que se sabe esse DXer tinha suas células radioamadorísticas irrigadas pela mais pura RF, mas, infelizmente a RF não tinha sido suficiente para irrigar suas células cerebrais. Certa vez, perguntado por um de seus pares como havia conseguido ouvir uma estação da dificílima zona 29 ele respondeu: "eu tenho uma beverage de 750 metros apontada para a Cidade do Cabo." De fato, olhando no mapa mundi a zona 29 fica mais ou menos nessa direção, porém, desgraçadamente a Terra é redonda e o sinal de RF não obedece a projeção de Mercator. Até para mentir é preciso um mínimo de conhecimento, de inteligência. Alguns dos QSLs recebidos eram muito estranhos, como se houvessem sido alterados.
O fato é que a RF em excesso dentro do shack bombardeando seguidamente as células cerebrais, que já não eram tão abundantes assim, acabou por tirar-lhe os últimos resquícios de resistência das células responsáveis pela seriedade, caráter, honra e outros componentes morais que fazem do DXer um homem de bem. Esse contínuo e implacável bombardeamento de RF acabou por vencer a capacidade de adaptação e sobrevivência das células e dos neurônios, a esta altura em franca decadência, até que finalmente o DXer morreu, morreu a pior das mortes, a morte incompleta, daqueles que mesmo mortos estão condenados a perambular e assombrar os outros. E assim tendo se tornado um morto-vivo, um zumbi, permanece entre nós, insepulto e assustador, uma caricatura grosseira do que fora outrora. Seus QSLs já não trazem respeito nem glória, seus diplomas nada valem, não passam de papéis coloridos que impressionam apenas um ou outro visitante desavisado, seus pares há muito não o respeitam.
73 DX de PY2YP - Cesar
Post scriptum: Isto é um conto de ficção. Qualquer semelhança com algum DXer terá sido mera obra do acaso.