segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Sem chance

Toda vez que termina uma operação grande como esta de ZL9HR recém encerrada eu fico como se estivesse de ressaca de um daqueles porres homéricos: dor de cabeça, sede contínua, dor no corpo além de alta intolerância a ruídos e sons ligeiramente acima do nível de um sussurro. Talvez esse estado seja decorrente das noites mal dormidas, levantando diariamente pelas quatro horas da madrugada, pela audição continuada de telegrafia, da irritação da bagunça em fonia, talvez pela tensão trazida pelos fluxos solares insuficientes ou quem sabe pela frustração das bandas não trabalhadas.
Entende-se como gray-line a linha que separa a zona clara da zona escura ou vice-versa; temos, portanto, duas zonas de gray-line uma ao alvorecer e outra ao entardecer. Os sinais que percorrem essa linha, são muito fortes e podem trazer QSOs inacreditáveis. Mas é bom que fique claro que não são sinais perpendiculares ou oblíquos a essa linha e sim unica e exclusivamente ao longo da linha de gray-line. Esta confusão é muito comum entre os DXers mormente entre os ascendentes, aqueles que ainda não desvendaram os mistérios das bandas baixas. Os sinais perpendiculares à linha de gray-line se beneficiam de outro fenômeno conhecido como chordal propagation cuja discussão fica para outra oportunidade.
A linha de gray-line na verdade é uma faixa, sub-dividida em 3 zonas, cujas larguras são medidas em tempo e começam quando o sol se encontra a -18º, -12º e -6º de elevação, isto é, 18, 12 e 6 graus abaixo da linha do horizonte e termina quando o disco solar está inteiramente visível no horizonte, ao amanhecer, ou inteiramente oculto ao entardecer. Essas três zonas recebem os nomes de astronomical, nautical e civil twilight, ou em bom português: crepúsculo astronômico, náutico e civil. Para efeito de rádio, principalmente nas bandas baixas, a zona de gray-line que funciona bem é quando o sol está a pelo menos 12º abaixo do horizonte até alguns minutos após o efetivo término do gray-line dependendo de alguns outros fatores como o nível de condutibilidade do solo onde se encontra a estação. Obviamente, ao entardecer, o fenômeno começa um pouco antes, dependendo, igualmente, das condições do solo; quanto mais condutor for o solo, mais cedo começa ou mais tarde termina o gray-line de rádio. Eu disponibilizei no meu site uma ferramenta para o cálculo das efemérides solares e estabeleci para o gray-line o crepúsculo náutico.
Entre São Paulo e Campbell só acontece escuro nas duas pontas entre 18 de março e 27 de setembro; entre 13 de novembro e 07 de fevereiro tem luz direta nas duas pontas e não tem mais possibilidades confiáveis de QSO em 80 e 160 metros, claro, considerado aí nessas datas a latitude de São Paulo. Para outras latitudes há que ser refazer os cálculos.
Infelizmente a operação de ZL9HR teve início às 05:00 UTC do dia 01 de dezembro de 2012, fora portanto da janela de escuridão nas duas pontas, 17 dias após o último dia de gray-line. Se os operadores pudessem estar ativos no gray-line desse dia primeiro de dezembro, teríamos tido alguma possibilidade de QSO mesmo em condições marginais. Para esse dia os cálculos mostram que a linha de path estava com afastamento de 9 minutos do último instante do gray-line, sol fora do horizonte em São Paulo e inteiramente oculto em ZL9. O afastamento de 9 minutos ainda poderia dar oportunidade de QSO porque o path pelo sul não encontraria formação da camada D em condições ideais de bloquear os sinais, mas o ZL9HR não apareceu nesse dia. A cada dia que passa há que se somar mais de 1 minuto no afastamento do path em relação ao gray-line e cada minuto é crucial porque a camada D já começa a se formar na ponta de PY2 e pode bloquear os sinais, alias, 9 minutos já é um número elevado para a nossa latitude. O Fred PY2XB bem que tentou fazer com que os operadores aparecessem à essa hora do dia, mas eles só o atenderam na segunda semana quando o afastamento já estava na ordem de 14 minutos inviabilizando totalmente a chance do comunicado acontecer. Uma pena. Vamos torcer para que alguém apareça em Auckland ou Campbell pelo mês de fevereiro quando ainda não está frio assim e o possamos colocar no log. Well, o jeito foi desengarrafar o antidepressivo tarja preta e comemorar os QSOs em 12, 17 e 30 metros além de RTTY. Até que não foi tão mau assim.
73 DX de PY2YP - Cesar