quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A entropia é irreversível, felizmente.

Há alguns anos uma universidade paulista colocou a seguinte questão em seu vestibular: “Se colocarmos 100 casais de cães de diferentes raças em um ambiente fechado e considerando-se que a gestação do cão é de 8 semanas, qual será a raça resultante após 156 semanas? Justifique.”
A raça resultante é um cão muito parecido com o cão selvagem africano, mantendo todas as características caninas mas perdendo todas as características individuais de cada raça. Esta singular experiência destruiria, inapelavelmente, e em muito pouco tempo, o aprimoramento de características desenvolvidas ao longo de séculos e séculos.
Obviamente a descaracterização pela miscigenação vale para qualquer espécie incluindo os humanos. Se alguém tem dúvida e só dar um passeio num domingo à tarde na estação Roosevelt ou na estação rodoviária, ambas em São Paulo.
Vale ainda para qualquer atividade humana que tenha sido resultante da evolução de séculos e séculos de conhecimento arduamente adquirido. Imaginem misturar músicos de pagode em uma classe de aplicados alunos de música erudita, o resultado da composição final seria certamente alguma coisa falando sobre o derrière feminino acompanhado por oboés e fagotes em 3 movimentos, conforme determina o rigorismo clássico: xaxado ma non troppo, pedágio e rondó rebolante. Um horror.
É exatamente isto o que está acontecendo com o radioamadorismo: permitiram que cidadãos desprovidos de qualquer compromisso com o desenvolvimento da comunicação se imiscuíssem em nosso meio. Foi-lhes permitido o ingresso através de uma classe denominada faixa do cidadão. Em princípio, a idéia soa bem: permite que pessoas comuns possam “falar no rádio”. Não vão atrapalhar, argumentaram, o alcance é apenas local. Isto vai permitir que alguns deles possam interessar-se pelo verdadeiro rádio-amadorismo, continuaram na sua “inteligente” argumentação, que soa tão honesta quanto um prato de contra-filé de frango.
Para piorar, permitiram que essa gente fosse guindada à classe dos rádio-amadores, através de mecanismos estúpidos. Ao invés de promoverem o interesse e o aprimoramento, optaram pelo caminho mais curto: eliminaram as exigências e criaram a classe D. O argumento continuou o mesmo: “não vão atrapalhar, o alcance é apenas local…”
E lá veio a horda, a massa ignara constituída de vândalos radiofônicos (isso mesmo, eles conseguem apenas comunicar-se em fonia) destruindo tudo o que encontram pela frente. Você tem dúvida? Coruje 40 metros e ouça o festival de asneiras e palavrões. Coruje 12 metros e veja o que corre por lá. E os 10 metros? Aqui o caos é total. Com o ciclo solar alto os truculentos onzemetristas, ao avançarem pela faixa de telegrafia, propagam a selvageria nacional para todos os cantos do mundo que escuta estarrecido a pouca vergonha nacional: palavrões, grosseria e toda a sorte de besteiras. E ainda há quem os defenda! Uma vergonha.
Em 40 metros, ali por volta de 6.095 kHz, há uma rodada conhecida como faixinha. Fez escola. Radioamadores devidamente licenciados ali acorrem para aprimorar o sujo repertório. Alguns deles freqüentam ambas as freqüências: a da faixinha e uma outra em 40 metros. Ilustrados pelos seus pares lá de baixo e com o vocabulário devidamente enriquecido mudam para os 40 metros e despejam o conhecimento adquirido. Pior, ensinam aos novatos como é o “rádio moderno”, como devem ser destruídos os valores que rotulam, descaradamente, como ultrapassados. O descalabro é total.
O resultado final da triste miscigenação não é apenas a descaracterização de um produto evolucionário, é o retrocesso. Pudesse a entropia ser revertida, contrariar a segunda lei da termodinâmica, e teríamos a realização da mais temível ameaça ao universo: a involução. O processo evolutivo não pode ser revertido mas pode cessar e permitir a extinção das espécies. Os registros históricos são pródigos em fatos dessa natureza. Estaremos neste momento assistindo o fim de uma classe? Seremos nós radioamadores, em breve, apenas um registro histórico?
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Á esperado do milagre

Não basta dar os passos que nos devem levar ao objetivo, cada passo deve ser ele próprio um objetivo em si mesmo.( Goethe)
A súbita mudança de tempo pegou-os desprevenidos. O bimotor, com um motor embadeirado, não resistiu aos fortes ventos: o pouso forçado era inevitável. O piloto habilmente consegui pousar numa clareira, danificando completamente o avião mas todos se salvaram com pequenos arranhões e alguns hematomas, é verdade, mas ainda assim nada grave. O rádio não estava operando e não haviam conseguido contato com estações da aeronáutica. Haviam decolado de uma obra no interior da Amazônia com destino a Manaus, mas a imensidão da floresta os havia engolido.
Após deixarem o avião, ou o que restava dele, reuniram-se e puseram-se a olhar o céu à espera da ajuda salvadora: a FAB, algum milagre, qualquer coisa que os tirassem dali. Os dias passaram e nada de ajuda dos céus, nenhum barulho de avião ou qualquer outro sinal. O mutismo dos céus era aterrorizante. Por sorte havia água e a selva lhes estava fornecendo alguma alimentação.
Ninguém soube como havia começado mas, de súbito, lá estavam eles engalfinhados em violentas discussões culpando-se mutuamente. Culpa do piloto, bradavam uns. Foi o seu atraso que nos colocou nesta situação, se tivéssemos decolados ao alvorecer nada disso teria acontecido, retrucava o piloto. E as discussões prosseguiam de forma cada vez mais perigosa e inócua.
Finalmente, cansados, desgastados da caótica situação, acalmaram-se, ou talvez os impropérios haviam se esgotado. Reuniram-se ao pé do fogo que alguém havia providenciado lembrando-se dos seus tempos de escoteiro e puseram-se então a buscar uma solução. Decidiram que o engenheiro, versado em geodésia e astronomia, acompanhado do ex-escoteiro, iriam em busca de socorro, orientando-se pelas estrelas, sol, limbo das árvores ou por outras indicações que a natureza oferece aos que sabem dela se utilizar.
Ao cabo de algumas semanas o socorro veio e todos foram salvos, alguns quilos mais magros, mas saudáveis e amadurecidos pela dura lição que a vida os impingira.
A sociedade brasileira está da mesma forma passando por uma provação parecida. Ficou anos e anos à espera do Messias que não veio. O homem collorido foi o último deles. Está há anos culpando a tudo e a todos: ora o Presidente, ora o Governador, ora o Congresso, mas nunca a si própria, que é a real culpada. Culpamos as instituições e vemos imbecis com ar de douto dizendo: “essa situação é produto da nova ordem vigente e… blá, blá, blá”. Só não vemos é a busca da efetiva solução dos nossos problemas. Ainda estamos no estágio 2, o das acusações tolas, irresponsáveis e infrutíferas.
Nós, radioamadores, estamos na mesma situação, ora ficamos à espera da fiscalização da Anatel ora culpamo-nos a todos. Dizemos: a culpa pela existência dos clandestinos em 10 e 12 metros é sua, que foi caminhoneiro. Ou: a culpa é sua, que não utiliza os 10 metros. A discussão prossegue, acalorada, apaixonada e inútil.
Porque não nos organizarmos e tentarmos uma solução para os nossos problemas? Algo como propor um convênio entre a Labre e a Anatel? Ou mesmo uma denúncia escrita, formal, ao agente fiscalizador? Ou, talvez, até mesmo escrevermos para o nosso deputado ou senador cobrando-lhe providências políticas junto à Anatel, à Polícia Federal, à Polícia Rodoviária? Se estes não dispuzerem de instrumentos legais para dar cobro ao pedido, que os políticos promovam tais meios.
A vinda do Messias não acontecerá, ninguém virá dos ceús para expulsar os clandestinos. Discussões procurando culpados não resolvem. Discussões só produzem efeitos quando acontecem sob a égide da razão, da busca de soluções.
Precisamos urgentemente, e a qualquer custo, passarmos para o estágio 3, o do trabalho, sob pena de, se não o fizermos, sermos banidos das nossas próprias faixas.
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

sábado, 11 de fevereiro de 2012

O show do milhão

Contra a estupidez até mesmo Deus é impotente (ditado alemão).
Outro dia fui ao correio postar uns QSLs diretos para Omã, Qatar e outros países. Estarrecido, vi que a moça do correio não conseguia estabelecer a tarifa. Disse-me ela: “Aonde fica esse país Middle East?”.
– Oriente Médio não é país é região, e o país é Omã que fica no Middle East. Me dê um selo para o Grupo IV que está tudo certo, respondi.
Mais alguns dias e fui a outra agência do Correio e o atendente lascou: “Norway, que país é esse?”
– Cobre Grupo III, respondi sem paciência.
Uma rede de televisão esteve recentemente apresentando um programa chamado o Show do Milhão. Nesse programa o candidato a ganhar um milhão de reais deve responder algumas perguntas com um certo grau de dificuldade que vai aumentando à medida que seus acertos se sucedem. Para participar o candidato deve comprar uma revistazinha sem graça, e esperar ser sorteado, contribuindo assim para o enriquecimento do risonho apresentador. Até aqui nada de novo.
O feliz candidato pode pular três perguntas, contar com o auxílio dos seus consortes, de um baralho com quatro cartas e de um grupelho de universitários que lá acorrem para acudir, numa única vez, o candidato em uma questão mais difícil. É aqui que está o perigo.
Com a propagação muito ruidosa e pouca atividade em 80 metros (minha mais recente mania) comecei a assistir o festival de besteiras. Fiquei realmente impressionado, não com o nível dos candidatos, de vez que os que lá aparecem é o resultado estatístico das vendas desse tipo de promoção entre as camadas menos favorecidas economicamente.
O que me impressionou, e muito mal, foi o nível dos universitários. Esses estudantes são provenientes de universidades de todo o Brasil e lá comparecem, a convite do Risonho, como forma de divulgar a universidade que os seleciona entre suas melhores cabeças.
Numa dessas vezes foi perguntado o que é um are, e entre as estapafúrdias alternativas estava lá a correta. O que me deixou de cabelo em pé, brancos é verdade, mas que ainda ficam em pé, foi a resposta dos infaustos universitários: “nunca ouvi falar” lamentou um, “não sei o que significa” queixou-se outro e o terceiro, disse audaciosamente: “não sei o que é mas chuto a alternativa 2”.
Fato isolado? Não, as mais das vezes os tais universitários de, repito, diferentes regiões, não conseguem acertar questões do dia a dia de qualquer estudante. Por serem eles de diferentes pontos do país, representam um hediondo quadro estatístico e nos confirma o deplorável status quo do ensino brasileiro.
Imaginem ser operado por um médico desses, é morte certa. Ser defendido por um advogado desse calibre é cadeia na certa, seja você culpado ou inocente, tanto faz.
O caos já se instalou, os prédios ruem a todo momento, seja no Rio de Janeiro, São José do Rio Preto ou em qualquer outro lugar.
As crianças morrem em hospitais, os idosos contraem infeções terríveis por terem sido submetidos a um tratamento qualquer. Morrem por descuido, por imperícia, por ignorância de quem deveria cuidá-los. A ignorância grassa, campeia, ceifando vidas em todos os Estados, o tempo todo, está nos jornais.
Nós, que já estamos do meio dia para a tarde, de uma forma ou de outra escaparemos desse estado de coisas que os políticos inconseqüentes e demagogos nos impingiu. Mas e os nossos filhos? Nossos netos? Serão eles tratados por seus pares? Que sorte lhes está sendo reservada?
Lembro com muita tristeza do tempo em que os advogados sabiam escrever, os engenheiros sabiam calcular, os médicos sabiam prescrever e os empregados do correio conheciam geografia e não prejudicavam nossas confirmações. Fico triste em pensar num futuro que está tão próximo.
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A globalização da desconfiança

A quantidade de inteligência do Universo é constante. Phillip Antoniadis – PY2CPU
Até há não muito tempo o fio do bigode era mais do que suficiente para garantir a palavra empenhada. Firma reconhecida? Nem pensar.
Não vai muito longe e uma expedição era aceita apenas com a palavra do operador. Eu estive lá, dizia o expedicionário e a operação era validada, ninguém questionava.
Os operadores de 7O1YGF foram gentilmente convidados, pelas autoridades do Yemen, a encerrarem a operação e voltarem para casa. A licença, segundo consta, será expedida posteriormente de forma a validar os trinta e cinco mil comunicados registrados. Nas listas de discussão via Internet corre uma louca e desenfreada verborragia sobre a validade da operação 7O1YGF. Discute-se tudo: se a ARRL vai aceitar a operação, se as autoridades iemenitas emitirão o documento com data atrasada. E se o fizerem? Digamos, a licença sairá com data posterior a operação, a ARRL aceitará os QSLs para crédito? Afinal, sob o rigor burocrático, os comunicados devem ser feitos após a devida formalização. Como os comunicados foram feitos antes da expedição da licença (se é que vai ser emitida) é bastante provável que não sejam aceitos, mas o entendimento da ARRL pode ser outro.
Em 1996 houve uma outra operação no Yemen por DJ9ZB e JH1AJT, operaram com o indicativo 7O1A. Havia licença escrita, carimbo de entrada no passaporte, forneceram toda espécie de documentação possível e a ARRL não aceitou. A Liga simplesmente contestou a competência da autoridade emissora da licença, decidiu que o órgão emissor não tinha autoridade para tanto, imiscuindo-se nos assuntos internos de uma nação soberana, e pronto. Recusou. Uma vergonha, urraram todos em uníssono.
E agora? Vai aceitar uma operação legítima? Ou vai dizer que a data não coincide? Teriam eles o mesmo comportamento se os operadores fossem N7 ou W5? Perguntam todos desconfiados.
De onde surgiu a desconfiança de que a operação era efetuada dentro de um barco, em caso de ilha com desembarque perigoso? De onde surgiram as dúvidas de que a “ilha” não existia? Os mais velhos se lembram de uma “ilha”, cuja existência nunca foi confirmada, mas que “existiu” durante a operação do grande telegrafista. E, dias depois o suposto atol, banco de areia, ilha ou seja lá o substantivo que usaram, foi tragado pelo mar.
Esses mesmos vetustos senhores lembrar-se-ão de que o grande telegrafista operou de São Pedro & São Paulo, confortavelmente instalado em um hotel na Venezuela.
Mais recentemente outro exímio telegrafista, quase tão bom quanto ao condenado delinqüente (sim o W9 está preso, mas por outro crime), iniciou sua incrível carreira operando como 3W3RR, indo posteriormente desembarcar em outras raridades: 1S0RR, YA0RR, 9D0RR, XY0RR, nessa época Burma vinha de um período de mais de 20 anos QRT. O famigerado fora-da-lei não deixou por menos, fez sua última e gloriosa aparição com um excêntrico indicativo: P5RS7 (pê-cinco-erre-esse-sete), isso mesmo, North Korea. Não deu outra, descobriram que ele estava operando de um ponto qualquer da Rússia Asiática.
A enganada, vilipendiada e frustrada comunidade dos DXers em resposta às suas falcatruas, baniu-o, caçou suas operações anteriores e envergonhou-se por ter acreditado e acolhido o desavergonhado flibusteiro.
Atualmente para creditar uma expedição são necessárias pelo menos 7 testemunhas, todas com certificação IS0-9000, 14 quilos de papel devidamente assinados e carimbados, passaporte de entrada chancelado pelo ministro indicado pela ARRL, filmes, vídeos e fotos. Tudo acompanhado de uma declaração afirmando que Don Miller e Romeo Stepanenko não estão envolvidos com a operação.
Como diria o nosso amigo PY2CPU: A confiança é inversamente proporcional à raridade do país.
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus

O autor dessa frase, pensador, anarquista, revolucionário, dono de grandes virtudes e inabalável coragem derrubou não só um império. Mudou os rumos da humanidade de forma tão radical que só muito tempo depois pode-se aquilatar a dimensão da sua obra.
Seus ensinamentos, quando não seguidos, mostram de forma dolorosa que os erros cometidos trazendo a desordem e a injustiça, o caos enfim.
Há alguns dias, um colega defendeu o uso da faixa de 12 metros pelos “irmãozinhos” caminhoneiros, argumentando que os “coitadinhos” precisavam falar com suas famílias, precisavam do rádio para suas seguranças e que, “coitadinhos” eles mereciam nossa admiração e respeito porque sem eles o Brasil pára. São eles que transportam a nossa comida e nossos bens, enfim devemos tudo a eles. Finalizando sua argumentação o autor da defesa dos “coitadinhos” disse que era um deles e encerrou: “Caminhoneiro com muito orgulho”.
O nosso colega perdeu uma excelente oportunidade de ficar calado, foi infeliz e infantil na sua pobre e tola argumentação.
Obviamente não temos e nem poderíamos ter algo contra qualquer classe, fosse ela constituída de investidores, banqueiros, floristas ou radioamadores. São legítimos representantes de uma comunidade e como tal deve ser respeitada.
Seguindo a estúpida argumentação do infausto colega, deveríamos defender os intrusos dos 10 metros, dos 40 metros, defender os assaltantes os criminosos ou será que a delinqüência é prerrogativa dos pobres e desamparados? Não é o que trazem as notícias, nem o que conta d. Nicéia. Dentre os malfeitores apontados por ela pude constatar a existência de engenheiros, administradores, economistas, advogados, pessoas que usam colarinho branco, pessoas que usam colarinho colloridos…
Essas pessoas também são pais-de-família, pertencem a classes trabalhadoras e honradas, ou será que trabalhador é apenas o metalúrgico do ABC? Embora as classes desses senhores sejam honradas e trabalhadoras eles não o são, e em não o sendo, e devem ser investigados, julgados, presos e condenados.
Da mesma forma os operadores da faixa do cidadão que não respeitam a alocação de freqüência, legalmente estabelecida, devem ser punidos com o rigor da lei, sejam eles políticos ou caminhoneiros, a lei não os distingue. Segundo os ensinamentos, proferidos à mesma época da frase-título, a lei é igual para todos e deve ser cumprida ou então teremos a desordem, o caos. A sociedade tornar-se-á o que é hoje a faixa dos radioamadores. Podemos viver sem o rádio, mas não podemos viver, literalmente, sem o respeito à ordem estabelecida.
A agregação de pessoas ao redor de um instrumento corporativo com o objetivo de defender interesses mútuos é uma atitude correta e sadia.
Quando algumas pessoas passam a defender de forma irracional os erros cometidos por funcionários relapsos, incompetentes, ladrões, levantando como bandeira pertencerem à categoria do faltoso, utilizando-se do famigerado espírito de corpo, (ou seria espírito de porco?) mostram de forma clara que não estão aptas a viver em sociedade. Defendem o erro com intenções sorrasteiras, com a única finalidade de promoverem-se. Pensam, que “defendendo o colega” angariarão votos para a próxima eleição sindical. Não são apenas cínicas, são moralmente deformadas.
Essas pessoas, falsas defensoras dos “fracos e oprimidos”, não merecem nosso respeito, merecem, antes, nosso desprezo pela falta de respeito à nossa inteligência e capacidade de avaliação. O corporativismo defeituoso é uma doença social e como tal deve ser extirpada. Não se trata de preconceito, trata-se de pós-conceito.
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

domingo, 5 de fevereiro de 2012

O louco da ilha

Nós damos sempre facilmente aquilo que não exigem de nós e que nada nos obrigava a dar. (Gontcharov)
Subitamente surge nos principais boletins de DX que a ilha de Macquarie está novamente ativa. Quem opera é um louco, dizem. Ele opera alguns minutos, (fica irritado e desliga), e estabeleceu um rígido sistema de horário. Que ninguém ouse chamá-lo fora da agenda: ele o coloca numa lista negra e diz que um enorme pinguim, Kevin, o eliminará para sempre, diz até que o pinguim é mais conhecido como Pinguinator, numa alusão ao Exterminator, conhecido personagem do cinema de ficção.
Sem qualquer razão aparente ele diz que a estação VK0LD, que estava prevista para operar até novembro de 2000, entrará em QRT no último dia do ano de 1999. Algumas poucas estações brasileiras conseguiram trabalhá-lo, a maioria do nordeste do Brasil que teve propagação no dia em que ele dedicou sua operação para a América do Sul. Agora já não há mais dúvida, é louco mesmo. Irritou-se irremediavelmente e não operará mais, dizem uns; achou coisa melhor para fazer do que ficar no rádio, dizem outros.
Sem qualquer aviso prévio, Alan Cheshire começa a operar no primeiro dia do ano, como VK0MM (Macquarie Millenium). Será mesmo louco ou está expondo seus talentos de diretor de suspense? Ou seria drama? Os contatos sucedem-se dentro do rigor estabelecido, e as estações do sudeste começam a ficar preocupadas, as condições de propagação são muito ruins. Finalmente no dia 16 de janeiro ele marca uma hora para a América do Sul, em 15 metros, às 03:00 UTC. Os bons ventos da propagação ajudaram e todo o mundo que apareceu na freqüência o trabalhou sem dificuldade. QSL, diz ele, só quando terminar sua estada na ilha: não serão serão pagos antes do ano 2001.
No dia 26 de janeiro, Alan surpreende mais uma vez e aparece no ar como AX0LD em comemoração ao dia da Independência da Austrália. Fez cerca de 850 contatos. Ele diz que nomeará um manager para esta operação apenas e abre “concorrência internacional” para escolha do manager.
O CWSP decide entrar na disputa para ser designado seu manager, como forma de divulgar o Grupo e ainda devido ao fato de que Macquarie está no ar a maior parte do tempo em CW.
Daremos o cartão em troca de colocar o logotipo do CWSP, e mandaremos o excedente do dinheiro arrecadado para onde for indicado, é o que colocamos no e-mail ao Alan. Dissemos ainda: O CWSP tem como objetivo principal divulgar a telegrafia e o radioamadorismo, e temos observado o seu trabalho em telegrafia.
Alan recebeu 250 oferecimentos de estações da Europa, USA e Japão. Fez uma lista reduzida de 4 estações (2 do Japão 1 dos USA e PY2GCW), e começou a negociar. As demais estações fizeram suas ofertas, e o CWSP apenas disse que oferecia os cartões e que era o trabalho de um Grupo que oferecia apoio em troca da divulgação da telegrafia, mais nada. Não era o trabalho de um indivíduo com intenções de se tornar conhecido ou perceber algum resultado financeiro. O dinheiro excedente, seria encaminhado a ele ou a quem ele mandasse, dissemos.
A seriedade do CWSP, o objetivo do grupo em divulgar a telegrafia, fez com que fossemos escolhidos e fomos mais uma vez surpreendidos: Alan disse que o excedente da arrecadação seria doado a uma instituição de caridade à escolha do CWSP. Nada pediu em troca, apenas que ao fazer a doação a encaminhássemos com um cartão onde deverá estar escrito: "From the international Amateur Radio community as a mark of thanks to Alan Cheshire who operated from Macquarie Island as AX0LD on 26th January 2000".
O mundo seria muito melhor se todos dessem um pouco de si, a exemplo do que Alan fez. Nosso muito obrigado a ele.
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

A maneira de dizer as coisas.

Uma sábia e conhecida lenda árabe diz que, certa feita, um sultão sonhou que havia perdido todos os dentes. Logo que despertou, mandou chamar um adivinho para que interpretasse seu sonho.
– Que desgraça, senhor! exclamou o adivinho. Cada dente caído representa a perda de um parente de vossa majestade.
– Mas que insolente – gritou o sultão, enfurecido. Como te atreves a dizer-me semelhante coisa? Fora daqui! Chamou os guardas e ordenou que lhe dessem cem açoites.
Mandou que trouxessem outro adivinho e lhe contou sobre o sonho. Este, após ouvir o sultão com atenção, disse-lhe:
– Excelso senhor! Grande felicidade vos está reservada. O sonho significa que haveis de sobreviver a todos os vossos parentes.
A fisionomia do sultão iluminou-se num sorriso, e ele mandou dar cem moedas de ouro ao segundo adivinho. E quando este saía do palácio, um dos cortesãos lhe disse admirado:
– Não é possível! A interpretação que fizestes foi a mesma que seu colega havia feito. Não entendo porque ao primeiro ele pagou com cem açoites e a vós com cem moedas de ouro.
– Lembra-te meu amigo – respondeu o adivinho – que tudo depende da maneira de dizer...
Um dos grandes desafios da humanidade é aprender a arte de se comunicar. Da comunicação depende, muitas vezes, a felicidade ou a desgraça, a paz ou a guerra. Que a verdade deve ser dita em qualquer situação, não resta dúvida. Mas a forma como ela é comunicada é que tem provocado, em alguns casos, grandes problemas. A verdade pode ser comparada a uma pedra preciosa: se a lançarmos no rosto de alguém pode ferir, provocando dor e revolta. Mas se a envolvermos em delicada embalagem e a oferecermos com ternura, certamente será aceita com facilidade.
A linguagem telegráfica é um tanto quanto pobre para transmitir emoções, pois infelizmente, ou talvez felizmente, timbre e tônica não se alteram durante a transmissão. Tudo o que conseguimos é transmitir pontos e traços, friamente, sem entonações que possam demonstrar o estado de espírito do operador.
Como se isso não bastasse, a telegrafia ainda pratica o exercício da abreviação, não se diz “saudações”, diz-se “sds”, ou substituímos “um abraço” por um mísero “73”. Assim, sem emoções e com muita brevidade vamos transmitindo nossos pensamentos, nossas idéias, algumas vezes chegamos até mesmo a rir, hi… hi!!!
Entre nós, não há qualquer dificuldade em nos fazermos entender, sabemos o que significam os códigos e as abreviaturas. O diabo é quando somos obrigados a espantar os malditos clandestinos das faixas de 10, 12 e 40 metros. Não somos compreendidos: eles nos escutam, sabem que estão errados e começam a bradar os seus chulos verbetes, dignos das horrendas criaturas que lhes deu, desavisadamente, às luces.
Temos ainda muita dificuldade para fazer chegar os nossos reclamos aos dirigentes dos órgãos fiscalizadores das comunicações. Recebemos um tratamento ainda mais frio que os nossos pontos e traços. Somos pura e simplesmente ignorados.
Nossos dirigentes acovardam-se ante a necessidade de tomar posição, de assumir com coragem a dimensão do cargo, antes, preferem utilizar o velho e carcomido jargão: “é preciso ter jogo de cintura”. E assim, de desculpa em desculpa, utilizando-se de expressões pré-fabricadas, vão se escondendo de si próprios, da covardia que o poder lhes trouxe.
Talvez, seguindo o exemplo da sabedoria árabe, ao invés de dizermos que os nossos dirigentes são pequenos para os cargos, devêssemos dizer:
– Excelsos senhores! Vossas fecundas administrações farão com que a sociedade lhes assegure um futuro de profunda e anônima quietude.
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Ai que saudades!

Ai que saudades que eu tenho da minha infância querida, da aurora da minha vida que os anos não trazem mais. (Casemiro de Abreu).

Vez por outra os veteranos DXers reuniam-se na varanda do QTH do Papah Yankee, lá em Maracutaia da Serra, e ficavam horas a fio discutindo ou relembrando os bons tempos de outrora.
Antigamente, diziam, era tudo melhor: a propagação abria mais, as bandas não eram apinhadas de clandestinos, os mata-cachorros não saiam da sua própria faixa, as pessoas eram mais educadas, pagavam QSL com mais pontualidade... Enfim, era tudo melhor. Era tudo tão melhor que chegavam a ter pena dos novatos que, coitados, nunca viveriam os anos dourados.
Papah Yankee deu uma baforada no seu cachimbo e, sem perder o ar taciturno, deu uma tossidinha para então começar a falar. Neste momento, um veterano novato, recém ingressado na terceira idade dos DXers, pensou consigo mesmo: “Por que será que todo mundo que fuma cachimbo tem um ar taciturno? Será alguma coisa ligada ao fumo que os mantém assim?”. Mais não disse, ou melhor, não pensou: ficou com receio de que Papah Yankee tivesse instalado seu novo equipamento DESP (Device for Extra Sensorial Perception), muito usado por certos operadores de 160 metros.
Papah Yankee disse então: “Os bons tempos são aqueles que estamos vivendo, não importando a época em que isso se dê. Cada época”, continuou, “tem sua característica, sua tecnologia, suas dificuldades e suas facilidades.”
“Há alguns anos”, prosseguiu, “os veteranos se queixavam que as coisas estavam ficando injustas porque os novatos estavam usando os então ultra-modernos transceivers, com SSB, tripla conversão e outras novidades. Quero ver vocês fazerem DX com o transmissor em freqüência fixa, chamar geral e correr a faixa toda com o receptor, ou num pile-up, ficar esperando o DX colocar o receptor na sua freqüência. Isto sim é que era DX, diziam.”
Numa outra fase, os veteranos resmungavam que agora sim as coisas estavam mais fáceis: a transmissão com o manipulador eletrônico ficava uma barbada. Diziam: “quero ver vocês transmitirem por horas a fio com o cabeçote.” Isto sim é que era telegrafia, diziam.”
“Mais recentemente”, prosseguiu Papah Yankee, “os veteranos passaram a dizer: “Gostaria de ver vocês operarem um concurso sem computador, como nos velhos tempos, usando a famosa folha de check-dupes ao lado do livro de registro para evitar QSOs duplicados.” (N.E.: era uma folha com 26 retângulos onde cada um recebia uma letra do alfabeto e escrevia-se no retângulo correspondente à primeira letra do sufixo, o indicativo da estação trabalhada, além da folha de log).
“Atualmente, achamos inadmissível trabalhar uma expedição que não disponha de check-log na Internet. Da mesma forma, não conseguimos imaginar um DXer que não receba os boletins de DX no seu correio eletrônico, ou não podemos abrir mão das informações de managers, equipamentos, antenas e outras tantas preciosidades disponíveis ao simples click do mouse.”
“Ou”, prosseguiu Papah Yankee, “a rede mundial de informações on-line, em tempo real como se diz, mostrando quem está operando e em que freqüência. Os atuais veteranos dizem que o prazer da caçada se foi, que o DX era muito mais emocionante, sem auxílio do cluster.”
“A grande vantagem da nossa época, a que estamos vivendo, é que é possível reproduzir, em termos tecnológicos, as condições de operação havidas no passado, mas nunca será possível prever ou antecipar a tecnologia do futuro. Assim, a melhor época é a que vivemos, pela simples razão que estamos dela participando. Não há, portanto, qualquer motivo para achar que as gerações passadas foram mais felizes ou mais sábias.”
“Só não consigo imaginar o mundo sem telegrafia...”, finalizou Papah Yankee, com uma ponta de tristeza e já antevendo um futuro trágico.
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar